Um estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha (EcoMega), em parceria com o Royal Netherlands Institute for Sea Research (NIOZ, Holanda) e com a Vrije Universiteit Brussel (VUB, Bélgica) usa um novo método para investigar os hábitos alimentares e o uso de habitat por cetáceos odontocetos na região oceânica do sudeste-sul do Brasil. O estudo, liderado pela pesquisadora Genyffer Troina, doutora em Oceanografia Biológica pelo Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica no Institudo de Oceanografia, da FURG, foi publicado na revista científica Environmental Research. O tema deste estudo e a colaboração internacional estão no âmbito do Programa de Internacionalização Institucional "Capes-Print/FURG”.

Pouco se sabe sobre o comportamento de forrageamento e os hábitos alimentares dos cetáceos de ocorrência oceânica no Atlântico sul. O que se sabe deriva principalmente de estudos analisando o conteúdo estomacal de espécimes encontrados mortos encalhados, e depende desses animais chegarem à costa depois que morrem. Portanto, é bem difícil conseguir estudar esses animais em seu ambiente natural. Consequentemente, quando se trata de cetáceos de ocorrência oceânica, são raras as observações do que esses animais estão se alimentando. Isso torna difícil entender como as várias espécies de cetáceos que habitam essas áreas influenciam umas às outras em sua escolha por alimento.

Para resolver este problema, a Genyffer analisou isótopos estáveis de nitrogênio em aminoácidos em amostras de pele de diferentes espécies de cetáceos que ocorrem na região sudoeste do oceano Atlântico, no Brasil. Isso permitiu demonstrar as diferenças nas áreas de forrageamento usadas, assim como as posições tróficas ocupadas pelas diferentes espécies. Por exemplo, dados de um estudo anterior liderado pela mesma autora (https://doi.org/10.1007/s00227-020-03805-8) indicavam que o golfinho de dentes-rugosos (Steno bredanensis) poderia estar ocupando uma posição trófica mais alta que espécies como a cachalote (Physeter macrocephalus) ou a orca (Orcinus orca), o que é improvável. Com a análise de isótopos estaveis em aminoácidos, foi possível demonstrar que o nível trófico dessa espécie é de fato bem mais baixo do que os dados anteriores sugeriam.

Além disso, o método usado antes indicava grande sobreposição na alimentação entre diferentes espécies, e essas novas análises mostram que essa sobreposição é bem mais reduzida, já que as espécies se alimentam em diferentes profundidades. Por exemplo, a cachalote procura alimento nas regiões oceânicas do talude continental, e ocupa o nível trófico mais alto entre as diferentes espécies estudadas. O golfinho comum (Delphinus delphis) se alimenta em águas neríticas, enquanto o golfinho-pintado-do-Atlântico (Stenella frontalis) e o golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) buscam por alimentos em regiões de quebra de plataforma. Essas duas últimas espécies, que se alimentam na mesma profundidade, consomem presas diferentes e ocupam posições tróficas distintas. Assim, esse novo estudo permitiu demonstrar que as espécies de cetáceos parecem ter encontrado uma maneira de viver juntas sem competir por alimento.

Esse trabalho abre um importante precedente para estudos de ecologia trófica de mamíferos marinhos no Atlântico Sul e em outras regiões. O artigo completo está disponível no link: https://doi.org/10.1016/j.envres.2021.111610

Genyffer C. Troina, Philip Riekenberg, Marcel T.J. van der Meer, Silvina Botta, Frank Dehairs, Eduardo R. Secchi. Combining isotopic analysis of bulk-skin and individual amino acids to investigate the trophic position and foraging areas of multiple cetacean species in the western South Atlantic. Environmental Research, disponível online dia 2 de julho de 2021.

A análise de δ15N em aminoácidos ajudou a revelar a estrutura trófica e o uso de habitat dos cetáceos das águas oceânicas do Atlântico Sul ocidental. Imagem: Genyffer C. Troina. Ilustração de cetáceos por José Luis Vázquez, adaptada de Bastida et al. 2018.